Curioso o
diagnóstico desse jornalista a respeito do Judiciário. Logo me vi identificando
fenômenos semelhantes na FDRP.
Resistência
à transparência? Oposição à idéia de controle externo? Privilégios oriundos do
desconhecimento generalizado?
Tudo
isso nós vemos nas decisões dos nossos órgãos colegiados.
É a tão falada cultura patrimonialista/fisiologista/clientelista, agora sob bombardeio da opinião pública, sendo absorvida e reproduzida nos bancos da escola recém-nascida.
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O
Judiciário e sua imagem em transe
Por Eugênio
Bucci, da ECA-USP.
Estadão - 06/10/11
A imagem
do Poder Judiciário no Brasil está sub judice. Em coisa de poucos dias, entrou
num transe midiático. Não se sabe onde vai parar. Nem como. Nem se. Há uma
semana, a tensão que vinha sendo administrada como assunto interno dos juízes
explodiu nas manchetes. A percepção que os brasileiros têm dos seus magistrados
não será mais a mesma.
Estamos
passando por um terremoto simbólico, que vem abalando os significados mais
tradicionais da instituição. Há apenas uma semana, as placas tectônicas que
serviam de alicerce ao edifício da Justiça no Brasil começaram a trepidar em
público. Surgiram fissuras no chão dos tribunais: disjunções de sentido
encheram o ar de incertezas - éticas, mais que jurídicas. Ministros das altas
Cortes descuidaram do linguajar polido, a ponderação e a prudência abriram
lugar para discursos raivosos. Juízes deixaram de falar como árbitros. Agora,
eles se exasperam como partes inflamadas. Os jurisconsultos, aos quais cabe
fazer justiça, atiram-se na arena pública para clamar por... justiça. Justo
eles. Diante do noticiário, o homem comum se pergunta: a quem reclamarão seus
direitos os jurisconsultos ofendidos? Ao povo?
Mas o
noticiário não responde. As capas dos jornais lançam novas dúvidas. O diálogo
entre ministros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deixa de lado a
serenidade. Eliana Calmon, corregedora do órgão, falou de "bandidos que se
escondem atrás da toga". Em referência ao Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo (TJSP), foi jocosa: "Sabe quando vou inspecionar o TJSP? No dia
em que o sargento Garcia prender o Zorro". Em resposta, o ministro Cezar
Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e também do CNJ,
qualificou as declarações de sua colega como "um atentado ao Estado
Democrático de Direito". E disse mais: "Em 40 anos de magistratura,
nunca li uma coisa tão grave".
A
situação, porém, é mais grave do que a leitura que o ministro Peluso faz dela.
As palavras que ele leu são apenas o reflexo de um deslocamento mais profundo,
tectônico. Fosse apenas o vernáculo, seria simples. Lembremos que, há poucos
anos, os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes se insultaram no plenário do
Supremo e nem por isso a imagem da instituição sofreu arranhões mais
comprometedores. Ambos passaram por deselegantes, talvez, mas o Poder que
representam saiu incólume. Agora o cenário é outro. A turbulência não se reduz
a destemperos verbais: resulta do afloramento de um choque mais antigo, que
caminhava no subterrâneo e de repente veio a público, de modo espetacular. É
nesse choque que mora o problema.
Não
temos os elementos para traçar uma radiografia das câmaras internas do
Judiciário, mas uma análise atenta dos fatos - e de seu significado no
noticiário - fornece os dados para uma compreensão mais ampla da crise de
imagem. Na grande narrativa histórica que é a construção da democracia no
Brasil, o signo do Poder Judiciário começou a resvalar para o polo da
resistência a uma demanda central da sociedade: a transparência. Isso se traduz
no embate que era interno e agora ficou explícito.
Na
cúpula do Judiciário, duas vertentes opostas que se batem. A primeira encarna o
valor democrático da transparência, a outra prefere o conforto do corpo opaco.
A transparência do Estado tornou-se indispensável para o aprimoramento da
normalidade democrática. Resistir a ela significa resistir à modernização das
instituições. Acontece que, em capítulos cruciais da História recente - a nossa
narrativa histórica -, o Judiciário, infelizmente, aparece como um signo que se
alinha aos que preferem a opacidade.
Essa
associação de sentidos não ocorre porque os jornalistas são maldosos. Ela é
natural. É lógica. O problema não está na intenção oculta dos relatos, mas na
significação expressa dos fatos que se sucedem. Basta olhar para eles.
Sabemos
que uma das distinções estruturais entre as democracias e os regimes
totalitários tem que ver exatamente com isto: enquanto nas primeiras os
cidadãos têm direito à privacidade pessoal assim como têm o direito de
fiscalizar os negócios do Estado, nos segundos o Estado é opaco, blindado ao
olhar do público, e dispõe de instrumentos para bisbilhotar a intimidade de toda
a gente. Daí ser tão grave que a imagem do Poder Judiciário apareça com
frequência associada àqueles que são inimigos da transparência.
Essa
associação nefasta se manifesta em pelo menos dois eixos do noticiário.
O
primeiro é o da censura judicial. O Judiciário, ainda que por decisões
minoritárias, vem aparecendo como um fator que impede a publicação de dezenas
de reportagens cujos temas são, predominantemente, investigações jornalísticas
sobre atos suspeitos da administração pública. Para quê? Para proteger
políticos que não admitem prestar contas. Num tempo em que a censura foi
extinta constitucionalmente, alguns juízes entram em cena como guardiães de uma
reserva ecológica da censura, prejudicando grandes jornais e pequenos blogs,
ferindo o direito à informação do público, beneficiando oligarquias que
rechaçam qualquer fiscalização.
No
segundo eixo, esse que explodiu nas manchetes há uma semana, temos as
tentativas de esvaziar o poder de investigação de atos das próprias autoridades
judiciárias. Isso transpareceu, há mais tempo, de modo mais discreto, na
oposição à ideia de controle externo, representada pela criação do CNJ. Hoje, o
mesmo traço se escancara na tentativa de esvaziar o poder desse órgão.
Aí está o fundamento da crise de imagem. O
restante é consequência. O restante aparece como privilégios que dependem da
opacidade. O noticiário grita: juízes querem ganhar acima do teto, juízes que
praticaram crimes são "punidos" apenas com aposentadoria. Por tudo
isso, a imagem do Judiciário está sub judice. E essa é a notícia mais triste de
todas.
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