sábado, 12 de fevereiro de 2011

São Francisco: Preocupação em se juntar à medicina para pesquisas conjuntas

Durante minha experiência nesse blog, houve quem dissesse que o direito não tem nada a ver com a medicina (e com outros cursos), não fazendo sentido falar em aproximação da FDRP e da FMRP para troca de conceitos, formação de parcerias e de pesquisas conjuntas. Na São Francisco, em mais de 180 anos de história, parece nunca ter havido a preocupação de saber o que os médicos discutem em matéria de filosofia e ética e de suas repercussões sobre as leis que incidem sobre suas atividades. Agora, essa realidade parece querer mudar.

De fato, a exemplo do que originalmente se planejou para a FDRP, a São Francisco também está se movendo para acabar com o tão falado "autismo" do direito em relação a outras áreas do conhecimento. Recentemente, a faculdade paulistana se organizou para criar o programa de pesquisas FD/UNIFESP para a área de Biodireito e de Ética médica.

Vamos esperar que nós, estando inseridos dentro de um campus com forte vocação para a área de saúde, e tendo dentro da grade curricular a disciplina de biodireito, também sejamos capazes de produzir conhecimento de qualidade nessa área.

Abaixo, a notícia divulgada no portal da USP.

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Linha de pesquisa em biodireito une Direito da USP e Medicina da Unifesp

Luiza Caires / USP Online
lucaires@usp.br

"Na Faculdade de Direito (FD) da USP uma área se apóia nas trocas da interdisciplinaridade para realizar o intercâmbio de conhecimentos também entre universidades. “Biodireito, seus fundamentos e estrutura jurídica” é o nome dado para duas linhas de pesquisas: uma oferecida no Largo de São Francisco, e outra na Faculdade de Medicina da Unifesp."
O desenvolvimento da mesma linha de pesquisa nas duas instituições aproxima os campos e os pesquisadores. “Comumente levamos docentes para a Unifesp para ministrar palestras e vice-versa. Assim como em composição de bancas: sempre trazemos docentes da Unifesp e os nossos vão para lá”, conta o coordenador da linha, professor Roberto Augusto de Carvalho Campos, da FD.

A linha também tem uma repercussão importante na própria graduação da FD, onde já existe uma disciplina de biodireito, ministrada aos alunos do quinto ano, e que conta com aulas de docentes da Unifesp. Docentes e pós-graduandos da USP ministram também aulas e palestras na Unifesp.

Saúde: questões legais
De acordo com Campos – advogado, médico assistente na Unifesp, e docente nas duas universidades – o biodireito ou direito médico envolve as interfaces do direito com todas as áreas de saúde. “É um tema relevante no Direito desde a Constituição Federal até as várias legislações específicas. A palavra saúde se repete várias vezes na Constituição, estabelecida como um direito do cidadão e um dever do Estado”, explica.

Mais especificamente, visa-se o estudo da saúde com os seus reflexos sociais, com o Direito dando uma resposta aos anseios da sociedade. Trata-se de se discutir as legislações pertinentes, estudar a situação de assistência à saúde no país, a legalidade do tipo de assistência que se presta, a atuação dos profissionais da saúde, e inclusive sua deontologia, isto é, ética que rege as profissões médicas.

Conforme explica o professor, a medicina tradicionalmente era uma questão somente de médico e paciente. “Uma relação direta, sem interferências: o médico como soberano e o paciente recebendo e respeitando as orientações do médico”, descreve.

Porém, por vários motivos, entre eles a melhor informação do paciente, as tecnologias que estão disponíveis e divulgadas com maior frequência, e no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, essa relação foi transformada também em uma relação de consumo. “Cria-se uma relação que é muito mais contratual e menos de confiança apenas. O Direito começa a ser importante nesta interferência, porque as relações começam a ter conflitos – e é no conflito que o Direito precisa se manifestar”, observa o médico.


Pesquisa
Na FD, uma pesquisa de mestrado recentemente realizada fala sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na prática médica. Como esclarece Campos, o Código de Defesa do Consumidor surgiu para dar subsídios ao consumidor de questionar a qualidade de um produto ou serviço. Ele não foi redigido pelos legisladores já com a expectativa de ser aplicado na atividade médica nem de profissionais liberais em geral, mas os juízes acabaram fazendo este uso.

Se inicialmente se questionava essa aplicabilidade, principalmente da parte dos médicos, atualmente em praticamente todos os processos por erro médico existe alguma discussão a respeito do Código do Consumidor. E o estudo demonstrou que, na maioria dos casos, o juiz acolhe o processo nesta mesma base: o Código se aplica, se não em sua integridade, pelo menos em parte.

Uma segunda dissertação orientada por Campos aborda as perícias nos alegados erros médicos. O pesquisador, também juiz de direito, fez uma análise crítica das perícias de diversos processos movidos contra médicos, tentando saber se elas eram ou não adequadas ao convencimento do juiz.

Procurou-se saber se as perícias tiveram condição de elucidar a dúvida do juiz. Justamente porque em 95% dos casos de erro médico, segundo o estudo, a ação cível comporta perícias, feitas ou por um perito de confiança do juiz ou por alguma entidade do Estado, como o Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc) em São Paulo.


Ética para trabalhar com a vida
A bioética é outra linha estudada na FD que envolve a área médica e o Direito, mas que se concentra no lado mais filosófico da relação médico-paciente. Reflete-se sobre princípios como o da beneficência, da justiça da distribuição da saúde, e da autonomia.

De acordo com o professor Roberto Augusto de Carvalho Campos, este último princípio bioético é privilegiado no Novo Código de Ética Médica, segundo o qual o paciente deve ter autonomia para tomar as decisões relativas à sua saúde. “No nosso país é um princípio extremamente valorizado e relevante, assim como é nos Estados Unidos. Mas não é, por exemplo, no Canadá, onde prevalece o princípio da beneficência”, explica.

Hoje se entende que o médico não deve decidir isoladamente: toda decisão tem a participação do paciente. Isso envolve também o princípio do consentimento informado: além de respeitar a autonomia do paciente, o médico tem a obrigação de lhe informar, para dar as condições desse paciente decidir. “E essa hoje é a realidade: tendo a sua capacidade de decisão preservada [
adulto, consciente, gozando de sanidade mental], o paciente decide sobre praticamente tudo. Nada pode ser imposto, a não ser no momento em que existe risco de vida – daí aparece outro princípio do Direito, de que a vida é indisponível, e o médico não pode abandonar seu paciente em uma situação de risco”, conclui o professor.

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