"Abrir nossas mentes é essencial para mostrar o que se produz no meio acadêmico brasileiro e permitir a atualização de nossos pesquisadores”
Somos um país com notório desapreço pelo conhecimento produzido nas universidades, especialmente se forem universidades públicas, o que é um desestímulo. Mas são públicas as nossas seis universidades entre as 500 melhores do mundo, num dos mais consistentes rankings universitários, o Academic Ranking of World Universities (Arwu), de Xangai.
Os rankings têm seu sentido como indicadores comparativos de desempenho entre universidades e entre países, apesar da crítica fundamentada às limitações desse recurso para definir o que seja uma boa universidade. Há padrões diferentes de produção científica nas ciências exatas, nas biológicas e nas humanas, o que torna complexo estabelecer índices comparáveis. As condições materiais de trabalho e a cultura local tendem a complicar a comparação. Um pesquisador de Cambridge ou de Harvard tem a sua disposição, nas respectivas bibliotecas, o que há de mais significativo da produção científica mundial. Um pesquisador brasileiro está muito longe de ter essas facilidades. Na área de ciências humanas, é ele basicamente dependente de sua biblioteca pessoal.
A indexação do Times Higher Education (THE), sempre muito citada, mede preferentemente reputação e as condições para tê-la. Já o índice chinês, que leva em conta prêmios de titulares e de ex-alunos, tendo como referência básica o Prêmio Nobel, os altos índices de citação de trabalhos de seus membros e também a docência em tempo integral, mede indicadores de competência nos resultados obtidos.
O Brasil só aparece significativamente no índice chinês. Se compararmos as posições dos países emergentes do Bric, veremos curiosos desencontros. O Brasil tem seis universidades na lista (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG e Unesp), Rússia e Índia têm apenas duas e a China, 22. Desses países, o Brasil é o único que nunca ganhou um Prêmio Nobel (a Argentina tem cinco), mesmo nos campos que não dependem de qualificação acadêmica, como o da Paz e o de Literatura. A Rússia tem 41 Prêmios Nobel, a Índia, 8, e a China, 2. A falta de prêmios dessa ordem empurra o Brasil para posições inferiores nas listagens internacionais.
A revista Pesquisa Fapesp, em seu número de março, dá uma pista para compreendermos nossa situação adversa: menciona o Ranking Leiden, da Holanda, que mede o volume de publicações das universidades e seu impacto. Cinco universidades brasileiras dele constam. A USP está em 15º lugar no volume de publicações, mas pelo impacto dessas publicações está em 452º. Hoje, a língua da ciência é a língua inglesa, o que nos desfavorece, pois nossa produção científica é majoritariamente publicada em português.
Há o mesmo problema nos índices de citação, que registram quem, em qual artigo científico, citou determinado livro ou artigo de determinado autor. São os Science Citation Indexes. São pouquíssimas as publicações em outras línguas que não a inglesa ali indexadas. Essas citações têm grande impacto nos dois rankings, embora praticamente não contenham as citações em artigos publicados em português, espanhol e mesmo francês. O que vale é sobretudo citação em publicações americanas, o que é pouco e irreal.
Os esforços de internacionalização da ciência brasileira têm sido significativos. Diferentes universidades empenham-se nesse sentido, atraindo pesquisadores e professores visitantes ou estimulando pesquisadores e estudantes de pós-graduação a uma temporada de sua formação em universidade estrangeira de renome. A Fapesp tem um ponderável envolvimento nessa proposta, seja mediante a concessão de bolsas ou de auxílios para participação em congressos, seja através de acordos bilaterais com instituições estrangeiras para troca de pesquisadores e experiências. Um grande empenho em desprovinciar as mentalidades é essencial para abrir canais de atualização permanente de nossos cientistas, dar visibilidade ao conhecimento que se produz nas universidades brasileiras e tornar devidamente influente nossa ciência.
Nesse capítulo, um aspecto essencial é o acesso à bibliografia internacional e, portanto, à atualidade do conhecimento em seus diferentes campos. Em áreas como as ciências humanas, nossas bibliotecas universitárias estão largamente desatualizadas, mesmo com o recurso das publicações eletrônicas, que, tanto quanto os livros e revistas, é preciso comprar e pagar. Os danos para a pesquisa científica são muitos, a menos que o pesquisador saia do País, ainda que por curto tempo, e levante o material bibliográfico em bibliotecas das grandes instituições científicas de outros países. Na realização de uma pesquisa sobre linchamentos no Brasil, encontrei aqui apenas cerca de 10% da literatura comparativa que acabaria reunindo. Se não tivesse trabalhado em bibliotecas de universidades estrangeiras, a análise seria desenvolvida basicamente por referência a ideias ultrapassadas.
José de Souza Martins é professor emérito do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP.
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