Na próxima segunda-feira (04 de abril) temos planejado na faculdade uma sabatina com os professores diretamente interessados em alterar seu regime de trabalho de RDIDP para RTC. Nesse contexto, dedico esse texto à reflexão sobre quais seriam algumas perguntas relevantes para serem colocadas aos sabatinados. Antes, porém, comecemos por esboçar alguns argumentos que nos servirão de suporte para essa tarefa.
Decisões individuais, repercussões coletivas
Em primeiro lugar, é necessário entender que os casos a serem votados na Congregação têm ao mesmo tempo caráter individual, consistindo no julgamento de casos concretos, e caráter coletivo, na medida em que “forma jurisprudência” para decisões posteriores incidentes sobre o mesmo tema. Desta forma, não se trata pura e simplesmente de decidir se os professores interessados terão ou não o direito de mudar seu regime para melhor compatibilizar seus objetivos profissionais com as exigências da faculdade, mas sim de equacionar interesses distintos, não necessariamente conflitantes, mas também não necessariamente coincidentes, dos professores envolvidos, de um lado; e do “interesse público” da instituição, de outro. O fato de não haver ainda noção consolidada de “interesse público” não justifica a sua desconsideração nesse debate.
Interesse público
O resgate da noção de “interesse público” na FDRP, pouco discutido e considerado nas discussões sobre os rumos da escola, passa pela identificação das normas legais que, direta ou indiretamente, incidem sobre ela.
O art. 207 da CF, por exemplo, estabelece que as universidades “obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, mas, ao mesmo tempo, paira sobre a nossa faculdade a crença segundo a qual o interesse do aluno é plenamente atendido quando a ele é oferecido um “ensino de qualidade”. Conforme tenho defendido nesse blog em outras ocasiões, a qualidade do ensino, especialmente com o passar dos anos, está intimamente relacionada com a capacidade dos docentes de produzir conhecimento por meio de pesquisas acadêmicas, evitando a consolidação de uma cultura acadêmica fincada em valores e práticas ultrapassadas, o que infelizmente é a realidade das faculdades jurídicas brasileiras.
No âmbito das normas da USP, o art. 1º da Resolução nº 3533/89 estabelece que “o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP), regime preferencial do corpo docente da USP, tem a finalidade de estimular e favorecer a realização da pesquisa nas diferentes áreas do saber e do conhecimento, assim como, correlatamente, contribuir para a eficiência do ensino e da difusão de idéias e conhecimentos para a comunidade”. Essa determinação legal reflete diretamente sobre a comunidade acadêmica: De acordo com o nosso Anuário Estatístico, 82% dos docentes da USP observam o RDIDP.
Se para o ordenamento jurídico parece evidente que o RDIDP deve ser privilegiado na universidade (já que é o regime no qual as atividades de ensino e de pesquisa são mais bem compatibilizadas), na área do direito a situação de crise no ensino é apontado pelos grandes juristas como o principal problema a ser combatido, conforme observamos nas citações que seguem (há inúmeras outras das quais poupo o leitor em função do tamanho do texto):
“O problema do ensino de direito no Brasil é um caso extremo. Como está, não presta. Não presta, nem para ensinar os estudantes a exercer o direito, em qualquer de suas vertentes profissionais, nem para formar pessoas que possam melhorar o nível da discussão dos nossos problemas, das nossas instituições e das nossas políticas públicas. Representa um desperdício, maciço e duradouro, de muitos dos nossos melhores talentos. E frustra os que, como alunos ou professores, participem nele: quanto mais sérios, mais frustrados. A organização de uma nova escola de direito no Brasil oferece uma oportunidade para mudar esse quadro. E para trazer o Brasil, em um só salto, para a vanguarda da reforma do ensino jurídico no mundo”. Mangabeira Unger, Harvard Law School, EUA.
“Folha de S. Paulo - O que precisa ser feito no ensino de direito no país?
Eduardo Cesar Silveira Vita Marchi - A primeira coisa é os docentes terem dedicação integral. Há uma avaliação equivocada no Brasil de que o grande professor de direito, o grande jurista, precisa ter atividade prática. Mas não é preciso ser advogado ou promotor para saber o que acontece na prática. A falta de dedicação integral no país é prejudicial aos alunos, porque os docentes só ensinam o que conhecem da prática.”
Não podemos deixar de considerar que a FDRP nasceu de diagnósticos realizados acerca da tão discutida crise no ensino jurídico no Brasil, que deu origem ao seu projeto pedagógico. Não por acaso, a Reitoria condicionou a aprovação da implantação deste curso em Ribeirão à contratação de pelo menos 70% dos docentes em RDIDP, dando a essa característica papel central na realização de um projeto pedagógico que aposta na formação em tempo integral do futuro jurista, e que se estrutura em torno da presença do aluno na Faculdade, não só para assistir aulas, mas também para complementar a sua formação por meio de discussões em grupo, orientações de projetos de iniciação científica e atividades acadêmicas de extensão.
Diante desses argumentos, concluímos que, do ponto de vista legal, a insistência no fortalecimento do RDIDP na nossa faculdade atende ao interesse público, e que a mudança de regime de trabalho de RDIDP para RTC deve estar subordinada aos interesses da Administração Pública (esse é o entendimento inclusive do TJSP, como atesta a Apelação com Revisão nº CR 7803465600 SP).
Dificuldade na contratação de professores em RDIDP
Também relacionado à essa discussão está o fato de que não tem sido fácil na FDRP contratar professores em RDIDP que atendam às determinações do interesse público. Os salários mais altos oferecidos em outras carreiras tornam a carreira acadêmica pouco estimulante do ponto de vista da remuneração. Por essa razão, durante o período de contratação dos professores, que ainda não terminou, a estratégia que tem sido seguida pela FDRP tem sido a seguinte: Primeiro, abre-se concurso para uma determinada vaga em RDIDP. Se nenhum candidato se oferecer para a vaga ou se nenhum candidato for aprovado, abre-se outro concurso, desta vez em RTC. Como a lei brasileira permite que juízes, promotores, defensores, auditores e outros profissionais lecionem em regime de tempo compatível com suas carreiras (portanto, em tempo parcial), a concorrência para os concursos em RTC é consideravelmente mais elevada do que aqueles em RDIDP.
Diante disso, é de se esperar que o interesse público nessa matéria é observado quando o docente contratado para determinada vaga cumpre o RDIDP ou, no caso de inexistência de candidatos para essa condição, que o melhor candidato disponível em RTC seja contratado. O que, por outro lado, parece contrariar o interesse público é o docente ser contratado como RDIDP e, poucos meses depois ainda no período de estágio probatório, converter seu regime para RTC, se habilitando para prestar outro concurso ou seguir outra carreira sem ter que enfrentar a concorrência daqueles que já tem outra carreira e que estariam dispostos a prestar concurso na FDRP para uma vaga em RTC.
Aspectos fáticos dos casos individuais
A Profa. Eliana foi contratada pela FDRP em 2008 em regime de dedicação exclusiva (RDIDP). Além de também lecionar na ITE de Bauru, em meados do ano passado a professora prestou concurso para docente na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP (Bauru), acumulando cargos nas três instituições, uma das quais em Regime de Dedicação Exclusiva (na FDRP). Diante da indefinição quanto à sua situação, sustentada por uma liminar que aguarda a decisão da FDRP sobre a possibilidade ou não de mudança de regime, a docente tenta converter seu regime na USP de RDIDP para RTC, o que lhe permitiria manter seus três cargos.
O Prof. Cerezzo também foi contratado pela FDRP no ano de 2008 em regime de dedicação exclusiva (RDIDP). Recentemente, solicitou a mudança de seu regime para RTC para que possa exercer a função de advogado, o que lhe daria melhores condições para contribuir para o Núcleo de Práticas Jurídicas, que exige um advogado para assinar os processos ali trabalhados.
Perguntas aos docentes
Diante dos fatos e argumentos acima expostos, proponho algumas questões que poderão ser colocadas por ocasião da sabatina que será organizada pelos alunos:
1) A descrição fática acima descrita confere com a realidade dos seus casos?
2) Considerando a realidade da FDRP, os docentes defendem a plena flexibilidade para a mudança de regime?
3) Vocês consideram que há diferença significativa entre o RDIDP e o RTC para os interesses da faculdade?
4) Os docentes acreditam que a sua mudança de regime trará benefícios aos interesses da faculdade? Como?
5) Porque devemos acreditar que a conversão do regime e, conseqüentemente, a sua permanência na faculdade em regime de RTC implica em ganhos maiores para a instituição do que a contratação de novos docentes em RDIDP ou em RTC (devidamente previsto no edital do concurso)?
Obs: Para essa questão é necessário esclarecer que a permanência dos docentes na FDRP em RTC implica na perda da vaga RDIDP prevista no projeto aprovado nas instâncias decisórias da USP. Assim, a única forma de a instituição reaver a vaga de docente em RDIDP é o pedido de exoneração dos docentes interessados em alterar seu regime, o que permitirá a abertura de um novo edital para a contratação de outro docente, em RDIDP ou em RTC.
6) Ambos os docentes se encontram em período de estágio probatório. Se fosse a sua competência realizar a avaliação para efeitos de efetivação no cargo, como os docentes se auto-avaliariam em matéria de sua contribuição para os interesses da instituição até o momento?
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