quarta-feira, 7 de março de 2012

Como o Judiciário fica refém da sua própria ignorância


Bastava que os juízes envolvidos nesse caso tivessem uma mínima noção de dimensões econômicas para evitar esse inaceitável desgaste da máquina pública. Pelos valores envolvidos, era óbvio que se tratava de fraude.
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Gaúcho tenta receber R$ 15 bilhões do Banco do Brasil

Valor Econômico, 07/03/2012

Percy Anor Monteiro diz que é bilionário. Há sete anos, o gaúcho humilde de 79 anos, natural de Rio Grande, uma cidadezinha de 200 mil habitantes no extremo Sul do país, recorre a diferentes tribunais de Justiça na tentativa de receber do Banco do Brasil (BB) mais de R$ 15 bilhões.
Percy alega que o banco bloqueou sua renda, conquistada ao longo dos anos com investimentos diversificados: venda de pedras preciosas, de títulos da dívida externa, de patentes de invenções e incursões nos setores de hotelaria, agropecuária e mineração. O caso já foi parar na Presidência da República e no Banco Central, em cartas enviadas por Percy e pedidos de resposta ao BB. O caso vem movimentando times de advogados de diferentes regiões do país.
A primeira investida foi em Alagoas, em 2005. Percy conseguiu uma liminar obrigando a instituição financeira a transferir R$ 84 milhões a uma conta em seu nome. Por pouco, não ficou com o dinheiro. O banco conseguiu reverter a decisão.
Percy fez nova tentativa em Goiás, alegando um "bloqueio administrativo" de seu crédito. Juntou ao processo um suposto extrato com saldo de R$ 4,7 bilhões. Em 2008, esclareceu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal que o bloqueio se devia a uma investigação sobre lavagem de dinheiro, motivada pelo tamanho de sua riqueza. Teve o cuidado de provar que a quantia constava em sua declaração de Imposto de Renda - o tributo não foi recolhido, ressalvou, porque o banco teria confiscado o dinheiro.
Frente à insistência de Percy, a Justiça de Brasília condenou o Banco do Brasil a apresentar os documentos pleiteados por ele. A instituição alegou em seu recurso que se tratava de uma tarefa impossível: embora o correntista fosse verdadeiro, o extrato estaria mais próximo do zero que da casa do bilhão.
Como um turista do Judiciário, Percy fez nova parada na Justiça de Porto Alegre, pedindo ao banco, desta vez, uma indenização por danos morais por bloquear sua fortuna. Não teve sucesso: faltou-lhe dinheiro para pagar as custas do processo.
Novamente em Brasília, a juíza da 11ª Vara Cível, Iêda Garcez de Castro Dória, pediu providências à Receita Federal por estranhar os fatos descritos na ação. Enquanto a declaração de IR de Percy dava conta de saldos bilionários, sua renda anual era inferior a R$ 22 mil, segundo dados da ação.
Percy não se intimidou e recorreu à Justiça paulista. Desta vez, a inicial veio com o nome de Dercy Amor. No novo processo, apresentado no fim de 2010, ele diz que tem instrução escolar precária, está com a saúde frágil e em estado de penúria. Relata que há mais de dez anos teve uma quantia bilionária depositada em sua conta, mas o banco, de forma arbitrária, não permite o levantamento. Como o valor estaria em sua posse há mais de cinco anos, seria beneficiado pelo usucapião.
Em novembro, o suposto bilionário recorreu à presidente Dilma Rousseff. Enviou-lhe uma carta pedindo uma consulta "sob sigilo" e o desbloqueio de sua conta no Banco do Brasil. Alegou desta vez que "rupturas internas entre investidores" causaram o extravio de centenas de documentos, impossibilitando demonstrar à instituição bancária "os fatos legais da origem dos recursos depositados." A essa altura, segundo dados mencionados na carta, o valor já teria dobrado: passaria de R$ 34,2 bilhões. Procurados pelo Valor, os advogados de Percy não quiseram comentar o caso.
Recentemente, um episódio semelhante ao de Percy Anor Monteiro foi além da dor de cabeça causada ao banco e seus advogados: gerou polêmica até no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), colocando em lados opostos a corregedora, ministra Eliana Calmon, e entidades da magistratura.
No fim de 2010, Eliana suspendeu uma decisão da juíza Vera Araújo de Souza, da 5ª Vara Cível de Belém do Pará, que obrigava o Banco do Brasil a bloquear R$ 2,3 bilhões de sua receita. O valor era pleiteado por Francisco Nunes Pereira, um cidadão que vivia de forma modesta na cidade de Tatuí, no interior paulista, e alegava ser dono do dinheiro. O próximo passo era a transferência do montante para sua conta corrente. De acordo com ele, o valor estava em seu nome havia mais de cinco anos, o que caracterizaria usucapião.
A liminar bloqueando a quantia no Banco do Brasil foi confirmada no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA). O banco tentou reverter o caso, mas como não teve sucesso recorreu ao CNJ pedindo a suspensão da liminar.
A ministra Eliana Calmon aceitou o pedido do banco e tornou a decisão sem efeitos. "Ficou muito claro que o Judiciário estava sendo usado para um golpe", declarou na época. Apesar de ter evitado o saque do dinheiro, a decisão rendeu graves acusações de parte da magistratura contra a ministra. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) enviou uma carta aos juízes do país dizendo que a corregedora estaria ameaçando a independência dos magistrados, e fez uma representação contra Eliana no Supremo Tribunal Federal (STF) e no CNJ.

O desfecho mostrou, no entanto, que a corregedora tinha razão. No começo deste ano, a polícia de São Paulo prendeu Francisco Nunes Pereira - também conhecido como Chico da Fossa ou Mineirinho - e mais quatro pessoas, apontadas como integrantes de uma quadrilha especializada em fraudes bancárias. O grupo foi autuado por falsificação de documentos, fraude processual e formação de quadrilha.

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