Bastava que os juízes envolvidos
nesse caso tivessem uma mínima noção de dimensões econômicas para evitar esse inaceitável desgaste da máquina pública. Pelos
valores envolvidos, era óbvio que se tratava de fraude.
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Gaúcho tenta receber R$ 15 bilhões do Banco do
Brasil
Valor Econômico, 07/03/2012
Percy Anor Monteiro diz que é
bilionário. Há sete anos, o gaúcho humilde de 79 anos, natural de Rio Grande,
uma cidadezinha de 200 mil habitantes no extremo Sul do país, recorre a
diferentes tribunais de Justiça na tentativa de receber do Banco do Brasil (BB)
mais de R$ 15 bilhões.
Percy alega que o banco bloqueou
sua renda, conquistada ao longo dos anos com investimentos diversificados:
venda de pedras preciosas, de títulos da dívida externa, de patentes de
invenções e incursões nos setores de hotelaria, agropecuária e mineração. O
caso já foi parar na Presidência da República e no Banco Central, em cartas
enviadas por Percy e pedidos de resposta ao BB. O caso vem movimentando times
de advogados de diferentes regiões do país.
A primeira investida foi em
Alagoas, em 2005. Percy conseguiu uma liminar obrigando a instituição
financeira a transferir R$ 84 milhões a uma conta em seu nome. Por pouco, não
ficou com o dinheiro. O banco conseguiu reverter a decisão.
Percy fez nova tentativa em
Goiás, alegando um "bloqueio administrativo" de seu crédito. Juntou
ao processo um suposto extrato com saldo de R$ 4,7 bilhões. Em 2008, esclareceu
ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal que o bloqueio se devia a uma
investigação sobre lavagem de dinheiro, motivada pelo tamanho de sua riqueza.
Teve o cuidado de provar que a quantia constava em sua declaração de Imposto de
Renda - o tributo não foi recolhido, ressalvou, porque o banco teria confiscado
o dinheiro.
Frente à insistência de Percy, a
Justiça de Brasília condenou o Banco do Brasil a apresentar os documentos
pleiteados por ele. A instituição alegou em seu recurso que se tratava de uma
tarefa impossível: embora o correntista fosse verdadeiro, o extrato estaria
mais próximo do zero que da casa do bilhão.
Como um turista do Judiciário,
Percy fez nova parada na Justiça de Porto Alegre, pedindo ao banco, desta vez,
uma indenização por danos morais por bloquear sua fortuna. Não teve sucesso:
faltou-lhe dinheiro para pagar as custas do processo.
Novamente em Brasília, a juíza da
11ª Vara Cível, Iêda Garcez de Castro Dória, pediu providências à Receita
Federal por estranhar os fatos descritos na ação. Enquanto a declaração de IR
de Percy dava conta de saldos bilionários, sua renda anual era inferior a R$ 22
mil, segundo dados da ação.
Percy não se intimidou e recorreu
à Justiça paulista. Desta vez, a inicial veio com o nome de Dercy Amor. No novo
processo, apresentado no fim de 2010, ele diz que tem instrução escolar
precária, está com a saúde frágil e em estado de penúria. Relata que há mais de
dez anos teve uma quantia bilionária depositada em sua conta, mas o banco, de
forma arbitrária, não permite o levantamento. Como o valor estaria em sua posse
há mais de cinco anos, seria beneficiado pelo usucapião.
Em novembro, o suposto bilionário
recorreu à presidente Dilma Rousseff. Enviou-lhe uma carta pedindo uma consulta
"sob sigilo" e o desbloqueio de sua conta no Banco do Brasil. Alegou
desta vez que "rupturas internas entre investidores" causaram o extravio
de centenas de documentos, impossibilitando demonstrar à instituição bancária
"os fatos legais da origem dos recursos depositados." A essa altura,
segundo dados mencionados na carta, o valor já teria dobrado: passaria de R$
34,2 bilhões. Procurados pelo Valor, os advogados de Percy não quiseram
comentar o caso.
Recentemente, um episódio
semelhante ao de Percy Anor Monteiro foi além da dor de cabeça causada ao banco
e seus advogados: gerou polêmica até no Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
colocando em lados opostos a corregedora, ministra Eliana Calmon, e entidades
da magistratura.
No fim de 2010, Eliana suspendeu
uma decisão da juíza Vera Araújo de Souza, da 5ª Vara Cível de Belém do Pará,
que obrigava o Banco do Brasil a bloquear R$ 2,3 bilhões de sua receita. O
valor era pleiteado por Francisco Nunes Pereira, um cidadão que vivia de forma
modesta na cidade de Tatuí, no interior paulista, e alegava ser dono do
dinheiro. O próximo passo era a transferência do montante para sua conta
corrente. De acordo com ele, o valor estava em seu nome havia mais de cinco
anos, o que caracterizaria usucapião.
A liminar bloqueando a quantia no
Banco do Brasil foi confirmada no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA). O banco
tentou reverter o caso, mas como não teve sucesso recorreu ao CNJ pedindo a
suspensão da liminar.
A ministra Eliana Calmon aceitou
o pedido do banco e tornou a decisão sem efeitos. "Ficou muito claro que o
Judiciário estava sendo usado para um golpe", declarou na época. Apesar de
ter evitado o saque do dinheiro, a decisão rendeu graves acusações de parte da
magistratura contra a ministra. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
enviou uma carta aos juízes do país dizendo que a corregedora estaria ameaçando
a independência dos magistrados, e fez uma representação contra Eliana no
Supremo Tribunal Federal (STF) e no CNJ.
O desfecho mostrou, no entanto, que a
corregedora tinha razão. No começo deste ano, a polícia de São Paulo prendeu
Francisco Nunes Pereira - também conhecido como Chico da Fossa ou Mineirinho -
e mais quatro pessoas, apontadas como integrantes de uma quadrilha
especializada em fraudes bancárias. O grupo foi autuado por falsificação de
documentos, fraude processual e formação de quadrilha.
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