domingo, 10 de abril de 2011

Desdobramentos recentes: partidos políticos, projetos em conflito e conceitos em disputa

Recuperando algumas das idéias colocadas no texto “Aos calouros da turma IV: Os partidos políticos em ação na FDRP”, gostaria de dedicar esse texto a uma reinterpretação das ações adotadas pelos dois grandes partidos ali identificados, defendendo que os fatos mais recentes apontam para a vinculação desses grupos a dois projetos políticos de faculdade igualmente desejáveis, mas que implicam num acirramento de diversas disputas cujos resultados nos aproximarão mais ou menos de um desses projetos. Defenderei, ainda, que a incapacidade de dissociar as disputas de teses travadas, de um lado, das pessoas que defendem essas teses, de outro, tendem a enfraquecer a influência das idéias defendidas na medida em que essa fragilidade se tornar mais significativa nos embates ocorridos nas instâncias decisórias da faculdade, o que, na minha opinião, já vem ocorrendo há alguns meses.
Como a maioria dos alunos já ficou sabendo, na última terça (05/04) tivemos um acalorado debate protagonizado pelos professores Nuno e Gustavo Assed em torno da conveniência ou não de aprovar a mudança de regime do docente de RDIDP para RTC. A discussão, já polêmica pelos fatores apontados em outros textos desse blog, ganhou um desdobramento surpreendente no momento em que se argumentou que as teses defendidas para sustentar a pretensão dos professores interessados em mudar de regime estariam subordinadas aos interesses dos membros da coalizão que a defendia, isto é, que as ações realizadas pelos seus defensores partiam do interesse pessoal para construção das teses, exatamente o inverso do que se deseja para qualquer grupo político, que é justamente a subordinação dos interesses pessoais às teses que o grupo defende. Sob essa ótica, não haveria uma tese que daria sentido à ação desses professores nos órgãos colegiados, mas diversas teses criadas sob medida para cada contexto onde esses interesses estariam em jogo por ocasião da reunião da Congregação. Ao final da discussão, ambos os oponentes defendiam que suas posições no debate refletiam “teses” às quais os interesses particulares dos seus defensores estariam subordinados.
Diante desse contexto, levanta-se um questionamento fundamental que condicionará os próximos desdobramentos do processo político que estamos vivenciando, que pode ser sintetizado em duas perguntas.
1)      Os grupos políticos contrastantes estão subordinando suas teses aos seus interesses particulares ou, pelo contrário, estão subordinando os interesses particulares dos seus membros em prol de uma tese que desejam ver concretizada na faculdade?
2)      Considerando que ambos os grupos subordinam os interesses particulares dos seus membros a uma tese maior que dá sentido a sua atuação nos órgãos colegiados, como poderíamos identificar essas teses contrastantes para melhor decidir sobre os rumos da faculdade?
Com essas perguntas em mente e, pressupondo a existência de pelo menos duas teses às quais os membros de cada um dos grupos políticos identificados subordinam seus interesses particulares, me arrisco a traçar um primeiro esboço de quais seriam essas teses que, ainda que não esgotem as aspirações que os membros na nossa comunidade nutrem para a FDRP, pelo menos delimitam os projetos subjacentes mais evidentes à minha percepção.
Primeiro, vamos esclarecer que por “tese” entendo um “projeto de faculdade”, formado por um amplo conjunto de significados que dão forma ao ethos da instituição, englobando as normas administrativas, as práticas e comportamentos esperados pelos membros da nossa comunidade e o significado para conceitos-chave como “aula”, “avaliação”, “currículo acadêmico”, “transparência”, dentre outros.
Com isso esclarecido, parecem ganhar forma duas “teses” não necessariamente incompatíveis entre si, mas que, diante da escassez de recursos para implementá-las, se digladiam nas esferas decisórias da nossa instituição.
De um lado, representando um projeto menos idealista e mais calcado nas práticas tradicionais, deseja-se uma FDRP mais amoldada aos ideais que inspiraram a criação da FEARP e o projeto original da FDRP na década de 90, isto é, a consolidação de uma faculdade nos mesmos moldes da sua correspondente paulistana, com cursos em meio período (prioritariamente os noturnos) com ênfase nas tradicionais aulas expositivas e avaliações que permitem a prática de outra atividade profissional desvinculada da universidade em tempo integral tanto por parte de alunos quanto por parte dos professores. À época, predominava ainda a idéia de que os novos cursos da USP deveriam, sem sacrificar a qualidade, reverter a tendência elitista que havia marcado a constituição da universidade até então, o que implicava na interiorização da universidade em direção à periferia de São Paulo e ao interior do estado. Conforme apontado, esses ideais inspiraram a criação de unidades como a FEARP e a EACH (USP Leste), além de cursos que, em Ribeirão, incluem a Ciência da Informação e Documentação; e a Licenciatura em Química.
De outro lado, por sua vez, imagina-se uma FDRP mais próxima dos ideais que estão inspirando as ações mais recentes da USP como um todo, menos preocupada com o acesso ao ensino superior e mais preocupada com a transformação da universidade em uma instituição de “classe mundial”.  De fato, diante dos programas de expansão do ensino superior adotados pelo Governo Federal ao longo da gestão Lula (especialmente o REUNI (expansão das universidades federais) e o PROUNI (expansão do ensino superior privado)), fortaleceu-se na reitoria a idéia de que a USP era, pelas suas características histórico-institucionais, mais apta a perseguir o objetivo de inserir o Brasil numa posição privilegiada numa economia globalizada com base no conhecimento, o que só se pode fazer por meio da presença de universidades de excelência internacional no país. Dentro desse projeto, os cursos deveriam ser repensados e reestruturados de forma a igualar a qualidade dos melhores cursos da área oferecidos no mundo. A partir da consolidação desses ideais, a expansão das vagas passou para segundo plano, ficando as unidades concentradas na tarefa de aumentar a qualidade dos seus cursos de graduação e de pós-graduação, sua inserção internacional, a qualidade da sua pesquisa e os impactos sociais de seus projetos de extensão.
É possível identificar alguns dos principais defensores desse paradigma de universidade por meio da obra “USP 2034: Planejando o Futuro”, publicado em 2009 pela EDUSP. Somente para ficar no exemplo mais próximo de nós, entre seus elaboradores estão incluídos docentes da FEARP, o que explica o recente esforço empreendido pela unidade (nessas últimas semanas) no processo de elaboração de seu primeiro Planejamento Estratégico, que está envolvendo a comunidade docente, discente, de ex-alunos e funcionários num diploma normativo que vincula a ação de toda a estrutura administrativa para a busca das finalidades ali identificadas. Conforme se vislumbra nas entrevistas dadas pelo diretor da unidade, o objetivo da iniciativa é claro: Busca-se antes de tudo a excelência acadêmica.
O projeto da FDRP, por sua vez, reagindo a essas transformações que ocorriam na cúpula da reitoria e, sendo uma unidade dedicada a um campo do conhecimento cuja base metodológica no Brasil é reconhecidamente ultrapassada, experimentou sensível diferença entre os ideais buscados na sua primeira versão, elaborada na década de 90, e a segunda, elaborada em meados da década de 2000, que acabou inspirando a implementação do curso a partir de 2008. Pode-se dizer, portanto, que, pelo menos na sua origem, imaginava-se uma FDRP mais próxima desse último paradigma.
Nem todos os professores, entretanto, têm consciência dos argumentos aqui levantados. Junta-se a isso a vinculação generalizada desse projeto com a figura do professor nomeado para empreender a sua concretização, o diretor Poveda, e a conhecida inércia cultural que caracteriza o meio jurídico,  e o resultado é o enfraquecimento da “tese” que inspirou a criação da FDRP, fazendo crescer a influência do outro projeto aqui identificado e levando a uma crise institucional que pode tirar da FDRP a vocação para contribuir significativamente para necessária transformação do ensino jurídico no Brasil. Isso sem falar na possibilidade, ainda mais destruidora, de que os grupos políticos em atuação nas nossas instâncias decisórias tenham suas ações marcadas fundamentalmente pela produção de “teses” distintas e desconexas, elaboradas estrategicamente para compatibilizar interesses pessoais dos membros que o compõem, sacrificando a capacidade da faculdade de destinar seus recursos humanos e materiais para a consecução de suas finalidades institucionais, ainda que sua identificação ainda esteja longe de se consolidar.

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