sábado, 4 de dezembro de 2010

Congregação de 03/12: O que está em jogo

Por trás dos comportamentos que adotamos diariamente nas nossas interações sociais, poderia ser dito que se trava continuamente uma disputa pelo poder de definir significados dos elementos do mundo que compartilhamos. Nos bares, por exemplo, as longas conversas sobre futebol evidenciam esforços para firmar o significado do que seria o “time vencedor” e o “time perdedor”. Outro exemplo é quando comentamos sobre como nos vestiremos em determinada ocasião, querendo saber do interlocutor como ele se vestirá, na busca de um significado compartilhado para “estar adequado” ou “estar belo”. A mesma disputa ocorre numa mesa de restaurante na qual amigos decidem o que comer (significado do que “deve ser comido” e “quando”), ou quando conversamos sobre o nosso candidato preferido para a Presidência da República (significado de “quem deve governar”). Nesse processo, assumimos posições que podem ou não prevalecer dentro da comunidade na qual estabelecemos vínculos sociais, criando invariavelmente nela uma pequena “arena política” da qual não podemos escapar.

Na FDRP não é diferente. Constituindo uma comunidade relativamente grande e complexa, todos nos esforçamos para estabelecer significados para muitos conceitos que ainda não se consolidaram no nosso meio, nos enveredando por verdadeiros embates em torno desse poder. O que significa “Atlética” na FDRP? E “bateria”? E “movimento estudantil”, “aula” ou “avaliação”? A despeito das normas que regulam a universidade como um todo, cada unidade da USP possui diferentes significados para cada um desses conceitos, formando um todo que acaba por determinar, afinal, o que é cada faculdade.

Nesse momento, muitos conceitos que darão os traços característicos mais elementares da nossa faculdade estão sendo forjados nos círculos sociais que se formam dentro da nossa comunidade. Alguns desses conceitos em disputa incluem o “estágio”, a “avaliação”, o “tempo integral do curso”, etc.

Pois bem. Uma dessas disputas foi travada na reunião da Congregação do dia 03/12, no qual estava em jogo o conceito de “dedicação exclusiva (RDIDP) dos docentes”. Na reunião, pelo menos duas concepções se contrapuseram. De um lado, uma que basicamente defende não haver “diferenças significativas em relação ao regime de dedicação em tempo parcial”. Para os partidários dessa concepção, não haveria grandes diferenças para a faculdade se os seus professores fossem de dedicação exclusiva ou parcial, uma vez que não haveria maiores influências na qualidade das aulas ministradas aos alunos. De outro, um significado presente em faculdades como a de direito da UFPR e da UFSC, nas quais entende-se que a pesquisa e a extensão oxigenam fundamentalmente o conhecimento repassado aos alunos, renovando o conteúdo das disciplinas e contribuindo para um papel mais significativo da faculdade na disputa por definir significados que ocorre em âmbito de toda a sociedade em torno dos conceitos de “direito”, “justiça”, “Judiciário”, “julgamento”, etc. (essa mesma significação de regime de dedicação exclusiva está presente em faculdades de outras áreas, como na Medicina, na Farmácia e na Enfermagem daqui da USP de Ribeirão).

No plano fático, esse conflito se materializou em torno da discussão da admissibilidade ou não da seguinte situação:

Um determinado professor presta concurso para entrar na faculdade compromentendo-se a cumprir regime de dedicação exclusiva. Em seguida, depois de alguns meses, pede para mudar o seu regime para o de tempo parcial. Essa atitude deve ser admitida pela faculdade? A Congregação deve aprovar a iniciativa?

Veja que, ao avaliar a questão, é pressuposto fundamental estabelecer qual o conceito de “dedicação exclusiva” que estamos adotando. Se o conceito for aquele que não estabelece qualquer diferença em matéria de benefícios trazidos à faculdade, tanto faz, sendo até preferível o regime parcial, uma vez que este custa menos à universidade em termos de salários pagos e de outros recursos disponibilizados.
Se esse conceito, porém, entender que o regime de dedicação exclusiva implica em maior quantidade de pesquisa produzida, de projetos de extensão realizados e de tempo para orientar alunos, a mudança de regime deve ser avaliada em termos de custos e benefícios para a faculdade, devendo a perda causada pela mudança ser limitada ou compensada, por exemplo, com um conjunto de metas de produção acadêmica que diminuam os danos causados à faculdade que, originalmente, contratou o professor contando com a dedicação exclusiva do docente.

Na UFPR, por exemplo, o conceito em disputa adquiriu características que a aproximam da última das hipóteses descritas. Assim, como reflexo do significado que por lá preponderou, as normas da universidade estabelecem que a modificação de regime de trabalho pelo docente fica condicionada a um sistema de pontuação que, se não for atingido pela unidade, não dará a ela o direito de aprovar a mudança de qualquer de seus docentes. Cabe ressaltar que, na faculdade de direito dessa universidade, conhecida pela grande e boa produção acadêmica de seus docentes, somente 11 de seus 58 professores estão em regime de dedicação parcial, ou seja, 81% deles se dedicam exclusivamente à faculdade.

Na UNESP, por sua vez, a mudança de regime não é exatamente vista como um problema, sendo o regime de dedicação exclusiva muitas vezes interpretado como um "prêmio" a ser concedido para o docente que já trabalha muito estando em regime de dedicação parcial, que é aquele normalmente previsto inicialmente nos editais dos concursos lá realizados. Desta forma, a mudança do regime integral para o parcial raramente é negada aos seus docentes, sendo visto inclusive como um benefício para a universidade, que arcará com custos menores, em especial em áreas mais profissionalizantes e menos dependentes de pesquisa, como é o caso do direito.

Os efeitos dessa diferença de concepção sobre o papel exercido pelas respectivas faculdades de direito e sobre seus respectivos padrões de inserção na sociedade podem ser expressos por meio dos números da tabela abaixo:

Tabela: Produção acadêmica dos docentes das faculdades de direito da UFPR e da UNESP, em 2007.
Conceito CAPES em 2007
Artigos completos publicados em periódicos, por qualidade da publicação
Livros e Capítulos de livro
Internacional
Nacional (inclusive local)
Livros
Caps.
Coletânea
Verbetes
A
B
C
A
B
C
UFPR
6
5
24
3
67
13
8
39
182
2
10
UNESP
3
-
-
-
14
20
6
15
15
2
-

Fonte: CAPES.

Como é possível observar nessa discussão, o que está em jogo é qual significado prevalecerá para o “regime de dedicação exclusiva” do docente da FDRP, podendo condicionar todo o futuro da nossa faculdade em termos de sua qualidade e relevância para a qualidade do sistema jurídico, para o ensino do direito no país e para a saúde institucional da sociedade brasileira.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Seria a semente de um processo político na FDRP? Continuação.

Mais uma vez assistimos, por meio do email da faculdade, a um debate público em torno de um tema crucial para o desenvolvimento da FDRP. Dessa vez, envolvendo o próprio CA como um dos lados do debate, o que torna as suas repercussões maiores e mais intrigantes. Deve haver uma avaliação dos professores realizada pelos alunos? Com qual finalidade? Qual a forma que essa avaliação deve tomar para que sua finalidade seja mais bem perseguida?

Para balizar essa discussão, é necessário destacar que um dos grandes problemas que as faculdades de direito no Brasil enfrentam nos nossos dias é o desprezo que se nutre entre alunos e professores à produção de conhecimento sob bases metodológicas robustas e aceitas no meio acadêmico, bem como a incorporação desse conhecimento ao conteúdo ensinado na graduação. As faculdades de direito ainda são vistas como “escolas técnicas”, onde se ensina como operar no meio jurídico aplicando as normas positivadas. Pouco se estuda sobre as instituições formais e informais sobre as quais incide o direito, sobre a filosofia que se propaga na prática jurídica, sobre a cultura e seus mecanismos de reprodução ou sobre os problemas sociais que estão por ser resolvidos por meio do direito.

Esta discussão se relaciona de maneira muito direta ao questionamento proposto no primeiro parágrafo. Isso porque, a exemplo do que ocorreu em muitas outras faculdades, a transformação da FDRP num mero colégio técnico só depende da inação dos alunos, professores e comunidade, que, se não decidem agir diferentemente, acabam correndo o risco de se limitar a reproduzir as práticas que se consolidaram nas faculdades ao longo dos últimos muitos anos. Que práticas são essas? Em poucas palavras, atividade docente restrita à assimilação de doutrina e exposição de paráfrases das leis e alunos com fraca formação humanista e incapazes de compreender os fenômenos jurídicos de maneira abrangente e interdisciplinar.

A solução para esse problema está numa atividade de pesquisa e extensão rica e produtiva, o que só pode ser garantido num ambiente onde a meritocracia é estimulada em todas as suas variantes. Os alunos precisam aceitar se submeter à avaliações criteriosas sobre o conteúdo das disciplinas. Os professores precisam lidar com a exigência dos alunos em termos de preparação das aulas e qualidade do conteúdo ministrado, além de prestar contas à sociedade sobre a sua atuação enquanto docente e funcionário público. Não vejo como garantir esses avanços sem mecanismos estáveis de avaliação metodologicamente bem construídos, que incidam sobre todos, alunos, professores e funcionários e que sejam capazes de responder às seguintes indagações: "Estarão as pessoas e bens que compõem a FDRP cumprindo sua finalidade institucional da melhor maneira possível?" E, como a resposta para essa pergunta invariavelmente será negativa, esses mecanismos deverão identificar: "O que precisa ser mudado para que esse objetivo fique mais próximo da nossa realidade?"

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Meritocracia na FDRP: Regime de dedicação dos docentes

O pedido de mudança de regime de trabalho por parte de alguns dos nossos professores nas últimas semanas suscitou grande discussão entre alunos e professores sobre as suas repercussões para a FDRP. É de interesse dos alunos que esses professores tenham seu pedido deferido? Essa atitude constitui fraude ao concurso? Como evitar que caiamos na vala comum de ter 90% dos nossos professores em regime de dedicação parcial, prejudicando o projeto pretendido de constituir uma faculdade com vocação para a pesquisa e extensão? Todas essas são perguntas difíceis de responder, mas com forte potencial de influência sobre os rumos da escola.

Conforme salientei em outras ocasiões nesse blog, a FDRP, ao contrário de sua co-irmã paulistana, foi originalmente concebida para ser uma faculdade com vocação acadêmica, voltada para a pesquisa, imprescindível para uma necessária alteração na forma como se produzem juristas e operadores de direito no Brasil. Também tenho defendido que essa característica só pode ser alcançada por meio de uma alta proporção de professores em dedicação exclusiva, produtivos e atuantes nos seus respectivos meios acadêmicos, como foi feito no estabelecimento de faculdades como a FMRP, a ESALQ, a FCFRP, dentre outras.

Consta no Projeto Pedagógico da FDRP que 70% dos seus docentes devem estar integralmente dedicados à faculdade (RDIDP), proporção que hoje está na casa dos 60%. Na São Francisco, essa proporção é de 12% (dados de 2009).

Esse texto tem o objetivo de propor novas discussões atinentes a esse tema, visando contribuir para o processo de atuação discente nos órgãos representativos da unidade.

Em primeiro lugar, cabe questionar no que consiste o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP). Certamente esse significado varia de unidade para unidade, podendo oscilar de “nenhuma diferença em relação aos outros regimes” até a “produção de artigos, livros, projetos de pesquisa e de extensão, orientações e outras atividades docentes em qualidade e quantidade compatível com os principais centros de pesquisa da área no mundo”.

Uma vez que o significado desse conceito na FDRP ainda não está formado, havendo professores e alunos que defendem posições que se situam ao longo de toda a extensão desse amplo espectro de possibilidades, é urgente estabelecer canais de discussão e de implementação de medidas voltadas à garantir que cheguemos o mais próximo possível do segundo extremo, o que só pode ser atingido se uma cultura de meritocracia se consolidar entre professores, assim como tem ocorrido entre os alunos. Algumas medidas factíveis para esse fim podem incluir:

1)      A elaboração de quadros comparativos da pontuação da CAPES de cada professor, além da criação de métodos de avaliação dos professores pelos alunos, que poderão ser amplamente divulgados na faculdade, por exemplo, nos murais e no jornal.
2)      A elaboração de metas de resultados para a atividade docente, que poderão ser utilizados como critérios para a alocação de verbas destinadas para eventos e projetos de pesquisa, para a alocação das salas de professores, dentre outros privilégios.
3)      A divulgação de relatórios comparativos que nos permitam comparar a atividade dos docentes da FDRP com outras escolas brasileiras, permitindo a identificação das nossas potencialidades e fragilidades, etc.

Para os cursos que possuem a pós-graduação consolidada, alguns desses indicadores já são disponibilizados, como se pode ver na tabela abaixo. Seria interessante saber como a FDRP se insere nesse grupo de faculdades de direito em matéria de produção científica. Estaria a nossa produção concentrada em poucos professores? Estaria bem distribuída? O que poderia ser feito para melhorar nossa produção? Essas são questões que sem dúvida dizem respeito ao interesse comum da comunidade da FDRP.

Produção acadêmica dos docentes de algumas das principais faculdades de direito do Brasil, em 2007.
UFPR
UFSC
USP
UERJ
UFMG
UnB
PUC/SP
Artigos completos publicados em periódicos técnico-científicos
Internacional
A
5
36
4
2
42
0
0
B
24
2
8
6
5
1
45
C
3
6
4
3
1
4
4
Nacional
A
27
5
65
27
9
11
23
B
13
1
14
21
1
5
12
C
8
0
10
3
10
3
12
Local
A
40
35
113
37
60
10
91
B
0
0
0
0
0
0
0
C
0
0
0
0
0
0
0
Trabalhos completos publicados em anais de eventos técnico-científicos
Internacional
A
0
1
0
0
0
0
0
B
0
1
0
1
0
0
0
C
1
12
1
0
0
0
1
Nacional
A
0
5
0
3
1
3
0
B
8
9
5
2
0
0
3
C
1
7
1
3
1
1
0
Local
A
0
1
1
0
0
0
0
B
0
3
0
0
0
0
0
C
0
5
3
1
1
2
4
Livros e Capítulos de livro
Texto Integral
39
42
78
51
43
12
57
Capítulos de livro
182
125
191
72
77
22
288
Coletâneas
2
3
15
0
0
2
1
Verbetes e outros
10
3
9
6
3
0
10
Fonte: Capes


Cabe observar que a cultura meritocrática entre professores e alunos está longe de ser a regra entre as faculdades de direito no Brasil, fortemente caracterizada pelo fisiologismo e pelo cooperativismo, que historicamente condenaram essas academias à posição retrógrada metodológica e cientificamente em relação à unidades de outras áreas do conhecimento. Aqui no campus temos pelo menos nove áreas que, se nos servirem de exemplo em matéria de atribuição de significado para o RDIDP, certamente projetarão a FDRP como um dos principais centros de pesquisa em direito do Brasil e do Mundo. Estaremos dispostos a imitá-los?